sexta-feira, 5 de agosto de 2016

MÃOS DE GIZ

MÃOS DE GIZ

Outra vez olho minhas mãos
Mãos coloridas: azuis, amarelas,
Verdes e brancas... eterno branco.

Sinto uma alegria
E a lágrima visita
Os olhos.

Nos olhos, pó
Na lágrima, pó
Nas roupas, nos pêlos e na língua, pó.

E nas mãos? puro pó.
Elas desenham, com pó, a sabedoria da gramática
E a gramática da vida.

Todos os dias me emociono,
Na sala de aula ou fora dela,
Quando olho minhas mãos.

Mãos coloridas como a bandeira do meu país
País que tentamos, com as mãos sujas de giz,
Tirar do pó.
(marcospeixe revista construir notícias nov. dez./20

FLAUTA MÁGICA

                                                 FLAUTA MÁGICA
A velha viúva, acocorada ao lado do barraco, cuidava de umas plantas:
- Toca mais alto, fia! - pedia à única companhia que tinha agora.
- Sei não! - respondeu a menina, encabulada, mas contente pelo fato de a avó ter gostado da música que ela tocara na sua flauta azul, desafinada.
- Canta! Quem canta os males espanta! Canta bastante pra ocê ser feliz!
- Mas ainda não sei não!
(...)
- Deus queira que ocê seja flauteira, minha fia! ... É flauteira que diz? Sei lá!... Mas ocê vai ser sim que eu sei!... Posso não ta neste mundo quando acontecer, mas lá de cima, junto do nosso Pai, vô vê ocê tocando, toda bonitona!
(...)
- Eu quero ser! – respondeu a garota -, olhando o instrumento azulado, passando os dedos pelos orifícios e imaginando-se fazendo show e a plateia batendo palmas..
(...)
Olhou para a flauta. Pensou novamente no dia em que tocaria num palco, na TV, sua avó aplaudindo, as luzes iluminando tudo, a cortina cerrando-se, as máquinas fotografando e a plateia pedindo bis. Mas sua vó estaria viva sim! Ela estaria sentada na primeira cadeira e vestida com um belo vestido de flores, comprado exclusivamente para o momento.
Sonha uma vida melhor e tem certeza que conseguirá, através da música. Mesmo assim, não descuida dos estudos: quer se formar também:
- Vou ser veterinária e cantar pros bichos! - disse para a colega -, saindo de casa para brincar.
“Vou ser cantora de flauta!”, exclamou a si mesma, olhando os dedos.
- Oxe, como é que canta pros bichos, hein, louca?!
Riram as duas amigas, deram-se as mãos e foram se divertir na rua com outras meninas.
(...)
- Do livro de MARCOS PEIXE: OLHOS OBNUBILADOS - Crianças, adolescentes e crianças invisíveis deste país - 

PESCARIA

PESCARIA



PESCARIA

Canoa
Parte com Noa,
Mestre dos mares.

Com Noa
Vão na canoa
Tinha e Mão-de-onça.

Partem os três
Para a incerteza
Do ganha-pão pelo peixe.

A manhã está vindo
Trazendo mar sem onda
E brisa suave.

Canoa está indo
Com Noa e dois bravos,
Levando rede e as esperanças da vila.

Amanhã voltarão salgados
Os pescadores, trazendo, na canoa,
A fome ou o peixe-pão.
(marcospeixe - prêmio literario Bahia de Todas as Letras - 2005/2006)

PINGO DE GENTE

PINGO DE GENTE

quando crescer,
vou ser um menino levado,
desses que chegam à casa da vó
e ela diz: êta que lá vem!!
vou ser pintão
assim como o Lucas, Matheus ou Filipe.

quando crescer
vou acreditar em caipora e mula-sem-cabeça,
também em saci, Emília e Tainá da Amazônia.
e terei a certeza de que a
perspicácia dos sete, oito anos
vence a malícia dos séculos.

quando crescer
vou ser grande como o Polegarzinho e
nunca pequeno como o Golias.
vou ser atemporal como todas as crianças:
"ontem a gente vamos na praia?"
"amanhã nós tava no circo e deu língua pro leão!"

quando crescer
vou trocar letras, inventar palavras,
como pitita pra borboleta
e quinco pra ventilador.
quero poder tudo
que já não posso neste presente.

quando crescer
vou ser mar
sendo pingo de gente!
(marcospeixe prêmio literário Bahia de Todas as Letras - 2005/2006)

NÃO-EU

NÃO-EU




Às vezes sinto-me
não-parte deste (i)mundo.

Ojerizo do que é gozo
para a massa e aparto-me
psiquicamente da psiquê
festiva do planeta.

Do pão e circo não
me refestelo, não sinto fome,
nem tenho gargalhada
larga n'alma serena.

Até tento ser parte desse todo
endoidecido, risonho e amargo.

(Pode ser que o stranger seja apenas eu)

Mas não encontro o caminho
fácil por onde muitos passam
acotovelando-se como a manada:
pisoteando-se, machucando-se e
desculpando-se, arrebatados
pelo cheiro da nova canção
sem notas que veem a quilômetros.

(o importante é saciar-se
do novo nocivo nojento
lamentoso lançamento de coisa
alguma de ninguém algum).

Até tento compreender-me,
compreendendo os demais
que me olham e me chamam
para a messe incompreensível
que arrebata as multidões
famintas do infinito imediatismo
que esvazia o ser da felicidade
verdadeira de ser eternamente livre.

Até penso em ser mais um
no pasto e repasto dessa
tele-cyber-eletrocultura do
deixais fazer e passar,
mas não encontro em mim
essa estrada curta, larga e iluminada
que alonga, restringe e desilumina
bilhões de humanos ovinizados.

É BOM...

Futebol na chuva,
Namoro na grama,
Lambida de cão.

Onda no peito,
Poema de Cecília,
Amor de verão.

Tapioca com leite
Boca na boca
Cochilo no chão.

Viagem de trem,
Desenho do Mickey,
Mouse na mão.

Brisa de mar,
Cheiro de chuva,
Gonzaguinha e Gonzagão.

Coragem pra rir,
Gargalhar do nada,
Doce no pão.

Banana com mel,
Suco de manga,
Suspiro de paixão.

Acarajé com pimenta,
Pão de Minas
Pastel e chimarrão.

Ternura no olhar,
Vivência sem fel,
Confiança de irmão.

História em quadrinhos,
Chegada de surpresa,
Almoço de salpicão.

No peito, coragem,
Na cabeça, saudade,
No quintal... sambão!

Cheiro de mato,
Madrugada de papo,
Lembranças que não se vão.

Palavra no olhar,
Abraço apertado,
Encontro na multidão.

Energia de criança,
Esperança na face,
Dedos no violão.

Pensamento no bem,
Trabalho e vida,
Agradecimento no coração.

Tudo isso agora
Agora ou nunca?
Nunca jamais NÃO! 

O circo, o palhaço, o menino

O circo, o palhaço, o menino

“Vou ao circo:
Rir com o palhaço
Nariz avermelhado
Roupa multicolorida
Sapato alongado.”

Voa ao circo...
O menino alado
O olho arregalado
A bermuda florida
O chinelo remendado.

“Vou pro circo!”
O menino será o palhaço
O sonho realizado
A vida querida:
Deixar mais menino abobado.

No centro do circo
O riso despojado
De tanto riso largo
Na face do menino
Que um dia virou palhaço!
(Marcos Peixe)

domingo, 31 de julho de 2016

DETERMINAÇÃO

Sempre que desisto de um sonho, morro!
Não tenho coragem de me olhar no espelho, choro!
Mas se a esperança não morre
O impossível torna-se possível
Após muitas palavras perdidas,
Venço, enfim, a guerra
Torno-me herói (de mim mesmo)
Então olho-me no espelho, sorriu!
(Marcos Peixe)